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quinta-feira, 16 de julho de 2020

A diferença entre um conto de fadas persa e um conto de fadas árabe n'As Mil e Uma Noites

Outro conto que mostra uma fada persa (Peri) é o conto Príncipe Ahmed e a Fada Peri Banu presente no livro The Blue Fairy Book de Andrew Lang. Aqui a ilustração Prince Ahmed and the Fairy Peri Banu de Edmund Dulac. Fonte da imagem: http://vintage-rama.blogspot.com/search/label/Edmond%20Dulac


Não sei se você sabe, mas As Mil e Uma Noites tiveram origem no folclore persa e não árabe. Foi um livro chamado Hezãr Afsãn (que significa As Mil Histórias) o responsável por dar o gatilho inicial na famosa coletânea de contos que mais tarde comporiam As Mil e Uma Noites – essa sim uma obra legitimamente árabe. O folclore persa e indiano foi vital para a composição da obra árabe, essa bastante pobre se comparada ao folclore indiano; pois diferente dos árabes, os indianos possuem um sistema de crenças mais flexível (por esse ser pagão) comparado com o muçulmano de herança judaica, portanto draconiano em essência.

Um dos contos que comprovam a influência do folclore persa sobre os invasores árabes (que dominaram a Pérsia em 651 d.C. quando o Califado Rashidun derrubou o Império Sassânida) é o conto persa The Peri Wife (A Esposa Peri) expresso no livro The Fairy Mythology: Illustrative of the Romance and Superstition of Various Countries do folclorista irlandês Thomas Keightley em comparação com a História de Hassan de Basra contida no livro The Book of the Thousand Nights and A Night – Volume 8 do inglês Richard Francis Burton.

Enquanto o conto persa parece ser a versão original da história e o Charles Perrault: sem final feliz e com o intuito de avisar sobre o envolvimento com seres sobrenaturais; a versão árabe tem uma grandiosa aventura, um final feliz e é a versão Irmãos Grimm da história.


Versão persa

Um filho de um comerciante do Hindustão (o nome que os árabes davam para Índia) em suas viagens encontra Peris banhando-se à noite num lago. As Peris do conto são retratadas como donzelas-cisnes, seres femininos, semelhantes a mulheres no folclore indo-europeu que se transformavam em cisnes – ao passo que alguns homens se transformavam em lobisomens.

Só que diferente dos lobisomens, as Peris do conto só se transformavam em cisnes se vestissem suas vestes emplumadas – uma espécie de capa mágica. Isso aparece no folclore celta que conta sobre as selkies nas ilhas do Norte da Escócia, onde se acreditava que certas focas eram uma espécie de fada-sereia que tiraria a pele de foca revelando uma bela donzela. O felizardo que achasse as roupas de foca da selkie poderia escondê-las e assim obrigá-la a se casar com ele – uma devaneio sem dúvida!

Sabendo que se tratavam de Peris, o jovem escondeu a roupa emplumada mágica da jovem que mais gostou numa árvore que só ele sabia e disse que ela não poderia mais se transformar em cisne e que não poderia voar mais junto com suas irmãs. A Peri assim foi obrigada a se casar com o jovem mortal. Eles se casaram, tiveram filhos e foram de uma certa forma felizes. Até que certo dia, o jovem precisou viajar, pois assim como o pai se tornou comerciante e deixou cuidando da esposa e dos filhos uma babá idosa advertindo sobre um armário em especial que guardava a roupa emplumada mágica da esposa e avisando para jamais deixar a esposa se aproximar do local.

A esposa Peri, esperta, se lamentou e chorou para a pobre velha dizendo que sentia saudades de casa e que tudo que desejava era visitar seus pais e suas irmãs e que tivesse sua veste emplumada ela poderia fazer isso, mas que jamais abandonaria seu marido e seus filhos.

A pobre velha com pena da enorme tristeza que abatia a esposa Peri, então revelou onde estava guardada sua veste e ajudou ela a abrir o armário. A esposa Peri vestiu sua veste emplumada mágica, se transformou num belo cisne e partiu sem dar satisfações para a pobre velha, abandonando para sempre o marido e os filhos. Quando o jovem comerciante voltou a babá idosa lhe contou o que acontecera e assim ele ficou louco e triste e se tornou um errante sem paz na Terra.


Versão árabe

A versão árabe dá nome ao jovem comerciante e o chama de Hassan, também muda o lugar de origem do jovem que no conto persa é a Índia, assim o jovem passa a ter origem na cidade Basra (Bagdá) que fica no Iraque e não tem nada a ver com a Índia.

O conto árabe é muito mais amplo e quase uma novela que não dá pra relatar com detalhes aqui, mas que você pode ler por esse link: A História de Hassan de Basra.

Esse conto dá prosseguimento a história persa com uma grandiosa aventura, pois a esposa-cisne também tinha levado os filhos. Então Hassan parte numa grandiosa aventura e não só resgata esposa e os filhos, mas obtém riquezas e se torna um poderoso comerciante de Bagdá. Um final feliz afinal. A história de Hassan de Basra é emocionante de fato, tem tudo que uma aventura de um filme da Sessão da Tarde teria.


Além do conto

O conto persa tem um tom simples, sinistro e sobrenatural se parecendo mais com o folclore da região entre a Pérsia e a Índia, naquela época não existia nem Afeganistão, nem Paquistão. Os árabes bem que tentaram conquistar a Índia e transformá-la em Hindustão, mas não conseguiram.

O conto também possui similaridades com a figura da Melusina que possivelmente foi trazida pelos portugueses e foi incorporada no folclore brasileiro. Onde se conta que um pobre camponês encontrou um dia uma linda donzela tomando banho num riacho. Ele sabendo que se tratava de uma fada-sereia e fascinado com sua beleza a pediu em casamento e ela aceitou com uma condição: ele jamais a maltrataria, pois se ele a maltratasse ela fugiria. Ele aceitou e assim foram viver juntos numa pequena casinha que construiu próximo ao riacho a pedido dela. Então certo dia ele chegou estressado do trabalho de peão que tinha numa fazendo e não gostando da comida da esposa a maltratou.

A esposa fada-sereia então se revoltou e pulou pela janela indo direto para o riacho que encheu de repente e invadiu a casa a destruindo com suas águas. Assim o pobre camponês não só perdeu a casa, mas também sua bela esposa, pois nenhuma fada gosta de ser maltratada.

A figura das fadas aparece no folclore celta e é similar ao folclore das ninfas contido nas crenças dos antigos gregos. Ambos celtas, gregos, persas e indianos compartilham uma mesma origem: são povos indo-europeus.

Na versão árabe a fada foi transformada em filha dos djinns que são criaturas sobrenaturais na mitologia árabe e são bastante conhecidos por conta do conto O Gênio da Garrafa e pelo conto do Aladim (presente n’As Mil e Uma Noites e que se passa na China): o gênio da lâmpada.

Esses dois contos nos revelam uma coisa que um ditado antigo já nos explicava: “quem conta um conto, aumenta um ponto”.